domingo, 10 de janeiro de 2010

Cidade


Palmilho as ruas da cidade dias e noites. Olho e vejo. Observo. Retenho. Toda a diversidade de cores e de sensações. Todo o mar alto de emoções. A sombra negra dos pombos contrasta esvoaçando na verde relva dos jardins. As pessoas, feitas de uma imensidão de cores e de sentimentos dão vida a paisagens mortas. Janelas com vidros partidos que teimam em permanecer em cacos. Casas antigas desabitadas, casas novas por habitar. A cada canto um prédio antigo repleto de histórias, de sensações e de vidas deixa-se morrer desavergonhadamente à vista de todos. A cada esquina um mendigo, repleto de fome, de frio e de morte deixa-se morrer timidamente à vista de todos. Nada pode ser mais paradoxal. Nada pode ser mais hipócrita.

Acelero os meus passos sem querer, sou levado a fazê-lo pela aceleração que os outros imprimem nas suas vidas, e eu, como os observo deixo-me levar. Nada que eu quisesse fazer, mas inconscientemente acontece. É estranho como a atitude dos outros nos vem influenciar por muito pouco influenciáveis que sejamos. Ou talvez não seja assim tão estranho. Em todo o caso vivemos em sociedade, devemos ter de agir como tal.

Numa outra rua, numa outra hora do dia, já andando em passos mais calmos vejo o sol baixar e reflectir em todas as janelas e em todas as pessoas. Sinto o seu calor aquecer-me como o sentem todos os mendigos, só que eles dão-lhe mais importância. Cada pedaço desta cidade tem o seu pedaço de sol correspondente. Assim como cada prédio tem direito às suas pessoas e como cada pessoa tem direito ao seu prédio. Devia ser esta a lei natural das coisas. Mas falando em lei natural, o dia começa a findar. A escuridão cai sobre toda a cidade, mas para a minimizar acendem-se luzes. Luzes de prédios, luzes de candeeiros de rua, luzes de carros. Pairando sobre mim sinto uma luz forte que penso ser da lua, mas surpreendo-me quando olho para cima e apercebo-me que é apenas um candeeiro de rua com uma luz mais forte que os restantes. E pior que isso, apercebo-me que estive o dia todo sentado num banco de jardim e que não passeei pela cidade, a cidade é que veio passear por mim.