quarta-feira, 20 de agosto de 2014

(...)

E foi assim...
Que o tempo passou por mim. Não notei. Senti dor, angústia, tristeza. Alegria, fracasso, saudade e certeza. Senti o Este e o Oeste. Ainda pouco o Sul e o Norte. Senti-me muito. Para lá do escasso e do talvez. Fiz tanto. Falta-me fazer mais que tanto. Não senti o tempo.
Abdiquei de muitas coisas por outras que não queria. Abdiquei de chorar e de sorrir. Não importa. Não abdico do passado apesar de ter nascido ontem. Não abdico do presente que passa a correr em excesso de velocidade. Não abdico do meu futuro, nem depois de partir.
Dos meus sonhos. Não abdico dos meus sonhos. Tenho-os todos em mim. Alguns por realizar. Outros já realizados. Uns que ainda os estou a viver.
Lutar e lutar. Só lutar para os atingir. Olhar a meios. Mantendo os meus valores, regras e princípios.
Uma longa caminhada há por desbravar. Primeiro desenhar o caminho a lápis. Depois passar por cima a caneta ao passo que o vou pisando. Quero deixar a minha marca.
(...)

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

[De]Correntes de Água

Tejo Internacional

Nascido de um rabisco emoldurado revestido a cetim. Jazido em teu lábio prateado, rosa ou carmim. Esculpido em pedra maciça ao sol, abençoado com retoques de chuva. Assente em ti, moldado como uma luva.
Perder em teu beijo. Calma. Encontrar em teu desejo. Aquele teu bosquejo de felicidade. Difícil, mas possível, de verdade. Num amanhã que veio ontem em vez de depois de hoje.
Em banho-maria arrefeço timidamente. Pedaços de hoje vividos antigamente. Outrora. Ouro ou diamante. Alto-falante da voz dos outros. Roucos. Loucos. Não poucos. Feitiço ameno. Resulta em pleno.
Ao tempo. Ao tempo que já não vais nem voltas. Só, ficas só. Caminhas, páras, corres e morres.
Amor sem fim, petrificado em mim. Perpetuado em nós, que nos foge da voz. Somente em coração vago. Chorei um lago. Choraste um rio. E fomos desaguar, em mar vazio.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

«Vocábulos et cetera»

Sopram ventos de amargura. Ternura. Pura. Textura.

Bafam brisas do deserto. Desperto. Perto. Incerto.

Murmuram maresias. Frias. Alegrias. Poesias.

Ecoam fábulas noturnas. Diurnas. Taciturnas. Urnas.

Gritam nortadas. Escancaradas. Suadas. Planeadas.

Sonham esquissos arquivados. Pintados. Cadeados. Fechados.

Voam pássaros sem asas. Brasas. Casas. Vazas.

Quebram olhares intimidantes. Estantes. Diamantes. Antes.

Sorriem lábios escarlates. Alicates. Alfaiates. Disparates.

Esculpem, poetas descabidos. Vividos. Sentidos. Desmentidos.

Morrem cadáveres putrefactos. Actos. Factos. Guarda-fatos.

Pensam friezas capitais. Mais. Normais. Fatais.

Escrevem, escultores assim-assim. Mim. Sim. Fim!

domingo, 21 de outubro de 2012

Cães, todos nós

Não ponhas prato na mesa.
Hoje vais comer no chão.
Aguenta-te com firmeza
Nessa vida de cão.


Põem-te coleira ao pescoço
Tiram-te da tua família
Em troca de um osso
Pedem-te constante vigília

Querem que ladres todo o dia
E mostres os teus afiados dentes
Olhar de quem desconfia
Não importa o que sentes

És um cão muito mau
Ficas amarrado lá fora
Dão-te espinhas de carapau
E uma festinha de hora a hora

Cão de guarda, argumentam
Em tempos de criminalidade eufórica
Os assaltos aumentam
E atingem meta histórica

Já não precisam de ti
És votado ao abandono
A última vez que te vi
Caminhavas já sem dono

Pelas ruas da má sorte
Até chegar ao azar
De ver de frente a morte
E dar-lhe um último rosnar.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Floresta de Virtudes

Prendo-me a ti nas noites dos dias em que me abandonas. Escondes-te nas sombras dos meus desejos e pairas na névoa dos meus sonhos. Flutuas nas incertezas das minhas vontades.
Acordado abro os olhos e reajo com todos os sentidos. A vida é uma floresta de sonhos, desejos e vontades. E não vou ser eu o lenhador a cortar ou queimar essa flora. Vou cuidar dela como se dela dependesse o ar que respiro. Dela e de ti. Que me atormentas quase todos os dias, que me aprazes quase todas as noites. Meu desejo, meu sonho, minha vontade! Também tu estás presente nesta minha floresta. Bem, na verdade tu és quase toda a floresta. Ou algo que se assemelhe a ti ou que dependa de ti. Todo o teu virtuosismo passeia por entre as árvores e lhes deixa o seu toque de Midas. Todas, quase sem excepção, possuem o teu carisma.

(...)

domingo, 6 de novembro de 2011

Paraíso



Não era ali o meu lugar. Não era, naquele pedaço de chão debaixo de céu. Eu tinha de saber porquê e como é que ali estava. Não sabia onde. Não sabia quando. Não sabia o que sabia sequer. Por outras palavras prezava a minha liberdade e todas estas inquietações e incertezas não me deixavam usufruir dela. Uma vida tão ocupada quanto vaga. Tão social quanto solitária. Podia até libertar-me de mim, por instantes, mas muito breves mesmo. Logo surgiam de novo aquelas amarras.
Não pude sentir o sabor do teu beijo, a suavidade do teu toque. A fragrância dos teus cabelos. A essência da tua vida - pouco partilhada. Não te vi mais nestas paragens. Pelo menos nos horários em que te tentei ver. Nem nestas nem nas outras em que disseste que andavas. E eu, ou ele - esta personagem que estou a encarnar - seguia-te sem te ver. Sentia a tua falta sem te conhecer. Abalava-me/se por te perder.
Ele, ou eu, perseguia a busca pela árvore do pecado. Perseguia os seus frutos sumarentos e pecaminosos, achava eu, ou ele. Hipnotizado pela vermelhidão que emanavam das suas cascas. Aqueles frutos, que não passavam afinal das maçãs do teu rosto disseram-lhe/me qualquer coisa ao ouvido enquanto tu me/lhe falavas ao coração e ao cérebro. Palavras sensatas, ternas, sábias, cómicas. Palavras e gestos...
Queremos repetir! Eu e ele.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Água de Colónia (continuação)

Cristina tinha o seu fado de eleição. Por vezes trauteava outros, mas o seu preferido e aquele onde conseguia pôr todo o seu sentimento era o "Fado de Lisboa". Fora escrito pelo seu já falecido tio José, marido de Mariana. Era embarcadiço e o seu corpo desapareceu num naufrágio precisamente na última viagem marítima que ia fazer antes de se reformar.

"Teu corpo estendido
Em cada colina
Por ti estou rendido
Singela menina
Que banhas no rio
Todo teu casario
Vejo no alto teu coração
Que nos traz a emoção
De saber que do castelo
Tudo teu é mais belo

Teu nome Lisboa
O sentimento saudade
Que meu corpo apregoa
Se um dia não há-de
Ser só mais um dia
Sem a tua magia
Teu cheiro Lisboa
Até a Madragoa
De castanha assada
De ginjinha e sardinhada

Preso no teu encanto
Tens no Tejo o teu manto
Teus míticos locais
Que se escondem em cada canto
Ora nos palácios senhoriais
Ora nestas palavras que te canto
E do castelo até ao cais
Te vejo estendida Lisboa
Por entre cada colina
E só me magoa
Perder-te, menina.

Teu nome Lisboa
O sentimento saudade
Que meu corpo apregoa
Se um dia não há-de
Vir passar a ser
O fim de tudo, Lisboa
Se deixar de te ver
Banhada no rio
Que te abençoa!

E tu, singela menina
Não apagues teu passado
Não seja tua sina
Ter esse tesouro afogado
E nas mágoas do teu povo
Não venhas também a naufragar
Que só por ter algo de novo
Não te irá atraiçoar."

Entoava Cristina, sempre terminando com uma pequena lágrima, que só eu conseguia ver, a pender-lhe no olho esquerdo.

(continua)

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Água de Colónia (Continuação)

Os seus irmãos, mais novos, viam nela uma segunda mãe. Ou mesmo a primeira, visto que essa, Dona Madalena, trabalhava noite e dia para poder sustentar a casa. Teve pouco tempo para ser mãe, mas no pouco que teve foi a melhor mãe que podia ser. Sabia que podia confiar em Cristina para a substituir. E as vizinhas também davam uma ajuda. Dona Mariana, tia de Cristina e irmã de Madalena nunca tivera descendentes e via nos seus sobrinhos o seu maior tesouro. Era doméstica e tinha uma vida mais desafogada que a irmã Madalena e podia dispensar-lhes o tempo que esta não podia. Também eu fora adoptado por Dona Mariana. Apertava-me as bochechas cada vez que me via lá na rua. Passava a vida a querer oferecer-me gelados, gomas ou rebuçados como se eu ainda fosse um miúdo, um daqueles lá da rua que agora escasseavam. A população do bairro estava envelhecida. Os jovens adultos procuravam casas e bairros mais modernos. Dona Mariana não entendia porque isso acontecia. "Quando miúdos tiveram tudo de nós. Carinho, respeito, admiração e comida e agora abandonam-nos como lixo!" - dizia-me indignada. Tive de concordar, mas guardei-o para mim. "Eles não se esqueceram de si. Foram apenas procurar vidas melhores." - disse-lhe eu tentando mantê-la calma, mesmo sabendo que tinha toda a razão. Dona Mariana não se podia enervar. A sua saúde era instável e qualquer outra instabilidade no seu estado poderia ser crítico. Morava no Nº 49, dois prédios acima de Cristina e os seus sobrinhos iam vê-la todos os dias e já sabiam que se quando chegassem ela não estivesse em casa podiam comer e beber no café do rés-do-chão. O Sr. António, dono do café servia-os e punha na conta da Dona Mariana. A início não gostava muito de o fazer, mas essas ordens foram-lhe dadas por ela. Vezes havia em que nem cobrava comida aos miúdos. Sabia das dificuldades, ainda que apenas ligeiras, pelas quais passavam.
António tinha um pequeno café ao jeito de tasca onde todos se juntavam. Os daquela rua e das circundantes. Era o café mais próximo e simpático das redondezas. Cristina ia lá cantar em noites de fado, por vezes. Não tinha uma voz muito bonita, mas era "a mais sentida e genuína de todas as vozes" - diziam os seus fãs. Era engraçado vê-la cantar. Aquela que parecia sempre solta e desenvergonhada revelava toda a sua timidez. Isso não parecia afectar a sua actuação, ou talvez afectasse, mas de forma positiva. Talvez fosse aquela toda a sua genuinidade, a timidez.

(continua)

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Água de Colónia (Continuação)

O seu jeito delicado era notório e todos a tinham em boa conta. Quando passeava pelo seu bairro, Cristina era brindada com sorrisos a cada passo que dava. As pessoas nutriam por si imenso carinho e admiração. Viram-na crescer e aprender. Era filha daquele bairro. Um bairro típico da capital. Casas pequenas encimadas umas pelas outras. Estendais a pender das janelas que quase tocavam as casas da frente. Mesmo em suas casas as pessoas conviviam de forma assídua e rotineira com os vizinhos. As janelas eram próximas dadas as ruas apertadas de um só sentido. As varandas e as escadarias que adornavam e ornamentavam as pequenas casas e prédios eram todas dotadas de vasos com flores e ervas aromáticas. Não faltavam a salsa e os coentros, nem tão pouco as rosas e os cravos. Casas havia ainda que eram vestidas por buganvílias com hortênsias a seus pés. Alguns poderiam achá-lo um exagero, mas o que é certo é que dava mais vida e cor ao bairro. Isso e os constantes bandos de crianças, outrora em maior número, que subiam e desciam a rua ora para brincar, ora para fazerem recados a suas mães e vizinhas. Cristina foi uma dessas crianças. Era a mais responsável, simpática e predisposta a ajudar no seu grupo de infância. Quase todas as suas vizinhas aproveitavam os seus préstimos para lhes fazer recados. E as que não aproveitavam era por falta de tempo ou por vergonha de pedir. Cristina não se importava. Gostava de ser e de parecer mais adulta que os restantes amigos. Descer a rua com sacos na mão vinda da mercearia da Dona Rosa ou subir vinda do talho do Senhor Armindo na rua de baixo eram as suas brincadeiras preferidas. E ainda costumava ficar com o troco para guloseimas ou para ajudar a sua mãe no pouco que pudesse. Nunca teve grandes ambições no que diz respeito a brinquedos. Apenas queria poder manter aquele ar responsável que fazia com que todos os seus amigos a respeitassem e quase idolatrassem. Era sempre a líder do grupo. Não voluntariamente, mas quase sempre por indicação de outros ou por falta de capacidade dos restantes para assumir responsabilidades.

(continua)

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Água de Colónia (Continuação)

Aquela água perfumada caía no seu corpo como peixe na água. Há pessoas que têm o seu próprio cheiro característico. O seu era aquele. Que ao mesmo tempo que a perfumava e caracterizava dava um toque acetinado na sua pele. Macia. Que eu tanto gostava de tocar. - "Ainda gosto!" - pensei eu. Cristina deliciava-se usando aquela água, e eu, deliciava-me por vê-la extasiada e feliz. Não saía de casa sem fazer aquele odor tocar a sua pele. "Irá acompanhar-me para sempre." - dizia ainda, mas nunca liguei muito ao seu entusiasmo. Menos ainda depois de me ter dito o mesmo e de me ter abandonado. "Trocou a sua Colónia de sempre por uma nova Colónia." - pensei eu.
Cristina não era de muitas palavras, mas os seus actos repentinos e fiéis aos seus sentimentos deixam-me perceber tudo o que Cristina deixava por dizer. Desde cedo que a conheci bem. Naquele dia, da breve e insignificante despedida, Cristina levara uma máscara para tapar todo o sofrimento e dor que aquele momento lhe estava a causar. Eu tinha a certeza. Só podia ser isso. Na altura pensei que tinha passado a ser uma pessoa fria ou que nunca a tinha conhecido ao certo, mas depois de muito reflectir descobri que estava disfarçada. A sua essência não era aquela. Nem uma lágrima, nem um tremular de voz, nem um pestanejar de olhos sentido e sincero. Tudo foi fachada naquele último encontro.
Cristina era uma menina singela e delicada. Os seus tratos eram meigos e ternos. Era de uma simplicidade tão pura que qualquer dos seus gestos faziam transparecer aquilo que realmente significavam.

(Continua)

domingo, 2 de outubro de 2011

Água de Colónia

Os devaneios que me apoquentavam com as palavras presas em mim. As feridas incuráveis das memórias revividas. Naquele dia tudo se repetia. Os cruzamentos de olhares com os suspeitos do costume. As trocas de sorrisos com os habituais seres. O mesmo odor, já característico, de sempre naquele local. Os sonhos inalterados. As promessas intactas, ainda que adiadas. Os desejos, alguns sombrios e obscuros, permanecem.
Viver. Viver para sempre na eternidade daquele momento. "Um momento único e irrepetível." - diziam eles e com razão, achava eu.
Cristina saíra há pouco da minha vida. Havia ido para o estrangeiro trabalhar. "Colónia! Ela foi para Colónia." - disse-me sua mãe. Depois de alongada pesquisa descobri que é na Alemanha. Com a pressa da despedida nem percebi o que foi fazer nem para onde ia. Não temos falado desde então. Aguardo uma carta sua, talvez ainda de amor, esperava eu. Uma carta de amor com a despedida que ao menos merecíamos ter.
"Colónia!" - exclamei eu diante do espelho do carro. "De Colónia só conheço a água!" - e continuei. Aquela água de colónia que um dia lhe ofereci e que ela não mais deixou de usar. "Não há outro odor no mundo que se aproxime tanto de mim como este." - disse-me.

(Continua)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Chuva


Vou ficar-me por aqui. Deixar a chuva escorrer o meu rosto inebriado e secar-se nas minhas roupas de algodão. Sentir a parafernália de saudades que me trazem as gotículas. Saudades tuas, de ti, de te querer. Saudades de te ter perto, e aqui ao lado e de dar-te a mão.
Ouves a chuva lá fora? Ecoa na minha cabeça o tiquetaque pluvial. Sinto-o ziguezaguear por entre o vento como eu faço para fugir da dor.
Sei que vais voltar. Que vou voltar. Que vamos voltar.
Sei que em mim vai deixar de chover. Vou saber se tenho de ir para longe ou para perto. Se é agora ou mais tarde. Se é para sempre ou por instantes. Vou saber o que fazer, quando amanhã o dia amanhecer e eu não sentir este tumultuoso chover.

domingo, 19 de junho de 2011

(Saudade) Se te esqueça

Se te esqueça, nas águas passadas de um moinho. Se te lembre, nunca mais. Não venha a dor trazer-te para mim se te quero mais perto da tua ausência.
A saudade surge-me como um ar sufocante, por excesso e não por escassez. Acelera-me a respiração mais e mais uma vez. Uma brisa forte e constante que nada me apraz, mas teima em me empurrar para ti.
Se te lembre, no futuro que me venha tocar. Se te esqueça, sempre que me lembre.
Não vá eu deixar de sofrer por te ter ao meu lado se tanto me corroí na tua presença, inconstante é certo, mas presença.(...)

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Isto é o quê?

A sorrir com um choro divino. Tocam as cordas de um violino. No sopro sentido de uma flauta. Tocada sem seguir a pauta. Eu esqueço o que vem na memória. Num só fôlego tento mudar a história. Depois de um futuro. Passado e presente no escuro. Desenho a aguarela. Nas entrelinhas de uma tela. Pintada de sons. Ouvidos em vários tons. São cábulas de nós. Escritos a uma voz. Despejados no horizonte. Amontoados a... monte. Venho na brisa matinal. Chocar nas roupas do teu estendal. Que se desfiam em fios de algodão. E quando reparas, já nada tens na mão. Por serem efémeras e sucedâneas. Como as tuas gargalhadas momentâneas. Observas a vida andar para a frente. E quando abres os olhos de repente. Vês tudo o que sonhaste. E sentes que desabaste. Passou-te ao lado bem breve. Todo o Mundo e tão leve. E na ânsia de renascer. Deixas tudo por fazer. E continuas a morrer. Mesmo sem querer. E a desaparecer. Porque no acto de viver. Está a causa de deixar de ser.

domingo, 5 de junho de 2011

Amanhecer Sofia

Amanhecia Sofia com uma estranha dor que lhe enchia o corpo. Permanentemente estafada de sonhar o que não podia. De sofrer sozinha o que não conseguia partilhar com ninguém.
Em suma, interiorizava em si as dores reflectidas pelas paredes e tecto do seu quarto. A janela entreaberta deixava entrar o frio da neblina que lhe purpurava os lábios. Com o olhar desfocado, Sofia tentava extravasar os sentimentos contidos naquele quarto, o seu mundo, libertando-os de si para o exterior, o mundo alheio. Não obteve contacto. Os olhos, ligeiramente orientais, faziam adivinhar um corrupio de gotas salgadas. Sofia despedaçava-se por cada canto do seu mundo e sombreava-se em cada pedaço do mundo de outrem.
Passavam dias e dias. Meses e meses, anos e anos...

Sofia ali permanecia
E sempre amanhecia
Todo o santo dia
Nem uma vez sorria
Por viver em agonia!

Amanheceu Sofia, finalmente, com um sorriso nos lábios. O cheiro no seu mundo era intenso e nauseabundo. Os seus olhos mantinham-se fechados. Não mais lágrimas corrediças vagueavam pelo seu rosto. O seu corpo imóvel fazia adivinhar um sono profundo e inabalável.
Deixou de lutar. Revelava-se assim o segredo de Sofia.

Sofia já não vivia
Porque não queria
Nem conseguia
Ter mais um dia
Sem companhia!

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Reminiscências

Havia em ti algo que me magnetizava. Não sei. Não sei se era o brilho calmo ou o deslizar silencioso. Se a simpatia do teu olhar ou a fluidez do teu sorriso. Não sei. Não sei. Não sei. E faz-me confusão não conseguir saber. Não conseguir. Não perceber. Não sentir o que me fazia sentir-te especial.
Na periferia dos meus sentimentos eu julgava-te mais perto. Tu aproximavas-te em cada passo que davas a distanciar-te. Eu fiquei. Na paragem da tua rotina por achar que era só esperar-te. Não paraste. Não te segui. Apenas fiquei, aqui.
Perdi-me na tua ausência.
Pecado meu achar que ia ser diferente. Erro meu pensar que ias parar. Falha minha julgar-te acessível. Problema meu não te ter conseguido.
Agora, eclipsaste-te noutra galáxia amorosa. Só me resta seguir a minha Via Láctea do amor.
Vás tu de planeta em planeta ou de satélite em satélite... Perdi. Perdi a boleia do vaivém. Perdi o rasto brilhante do teu corpo celeste.
Valha-me o poder ficar aqui e ter a esperança de ver-te passar, qual estrela cadente, mais uma vez.

(cont.)

domingo, 20 de fevereiro de 2011

A Calçada e as Folhas

Era uma vez uma Calçada.
A Calçada achava-se muito importante por ser única no Mundo. Julgava-se melhor que tudo o resto e ai daquele que ousasse invadir o seu espaço. Era fria e os poucos amigos que tinha começaram a afastar-se dada a sua atitude arrogante e presunçosa.
Num certo dia de Verão, a Calçada caiu em si e percebeu que apesar de única não podia viver sozinha. Estava triste e desgostosa, pois todos aqueles que por ela passavam nem uma palavra lhe dirigiam. E os olhares que ainda se cruzavam com ela eram ora de reprovação ora de pena. Pensou para si que tinha de ser diferente. Pôs de parte toda a arrogância. Tomou um banho de humildade e tentou recuperar os seus ex-amigos. Tentou e tentou, mas ninguém acreditava em si. Julgou que não mais faria novas amizades, mas certo dia, e ao mesmo tempo que a chuva invadia o céu, folhas começavam a cair e a preencher cada uma o seu próprio espaço em cima da Calçada.
Sorriu.
O Outono havia chegado.
Naquele branco sujo da Calçada portuguesa, sobressaíam as castanhas folhas de Plátano que passo a passo a preenchiam de nova cor. Algumas, ainda com tom esverdeado, eram convidadas de honra. A Calçada, triste, mas acolhedora, recebia-as de braços abertos e escancarava-lhes a sua porta. As folhas, felizes por tal recepção continuavam a chegar. Sempre com ordem e calmaria, mas cada vez em maior número. Não tardaria para o branco se vestir totalmente de outra cor. E por isso, era legítimo que a Calçada se tentasse impor de novo por ter sido ultrapassada e substituída, mas ao invés, ela continuava a sorrir por receber novas amigas. E estas, traziam-lhe também sorrisos por poderem permanecer em tão boa companhia.
Assim, a Calçada fez montes e montes de novas amigas que a aqueciam do tempo frio e a protegiam da chuva.
A Calçada mudou. E agora, sempre que o fim do Verão chegava tudo se repetia. As amigas Folhas invadiam-na e ela rejubilava de alegria. No fim da estação, ela não se deixava entristecer, mas sim encher de saudade. E lá ficava ela, esperando o Outono seguinte, para fazer novas amigas.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Romance (cont.)

Eu procuro seguir-te. Ainda que tudo o que faças é esconder-te e fugir. Eu ambiciono seguir os teus passos e tu teimas em acelerá-los. Não entendo. Não percebo. Não compreendo.
Tudo o que pensei... Vão. Tudo o que ambicionei... Vazio.
Cabe-me a mim sofrer esta ansiedade. Guardar estas palavras meigas e estes gestos que as acompanham. Um dia alguém virá receber o que tenho para ti. Talvez. Porque agora, tudo o que fazes é mágoa. Tudo o que causas é dor. Eu lamento. E assim não chegará a crescer um grande amor.

sábado, 15 de janeiro de 2011

A Estrela caiu

Uma estrela caída do céu.
Desavinda do seu lugar.
Perdida no seu oposto.
Pesa no seu rosto.
A ansiedade da distância.

Caiu por sua vontade.
Permaneceu pelo alheio.

O brilho.
Perdera-se a cada instante.

Rendeu-se à falta de luz.
Aquela que ainda seduz.
Ficou intacta.
Naquele chão que todos pisam.

Nenhum lhe tocou.
Nenhum lhe deu a mão.
Nenhum a levou.
Para onde pertencia.
Aquela estrela, cansada e triste.
Já pouco reluzia.
E tu.
Sabes o que viste.
Quando aquela estrela ainda vivia.
Naquele céu de plasticina.
Moldado à tua medida.
Por um artista que te esculpiu a sina.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Podia. Poderei. Pude. (Continuei.)

Eu podia voar. Podia chegar mais longe. Podia beber daquele veneno que não mata mas mói. Sentir aquela dor que não se sente. Aquela dor bem diferente. O silêncio. O silêncio que profiro em vão. O nada das palavras no tudo de um momento. Um momento. Fugaz mas verdadeiro.
Um dia vou voar. Vou conhecer e aprender tudo o que conseguir. Vou ensinar tudo o que sei. Esquecer o que nunca esquecerei. Lembrar o que nunca esqueci. Soldar o passado ao presente. Construir pontes para o futuro.
Neste dia cheguei mais longe. Cheguei porque tomei consciência que mais longe é uma luta constante. Cheguei porque quero continuar feliz. Bebi. Senti. Calei. Voei, conheci, aprendi, ensinei. Esqueci. Lembrei. Nada! Rigorosamente nada!
Um dia cheguei mais longe. E continuei.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Romance

Vago vagueio pela vaga cidade. Tem contornos de cidade fantasma. Conheço-lhe os contornos e o cheiro que sempre lhe foi característico. Está sombria e povoada de névoas. As portas ouvem-se bater ao sabor do vento que lhes toca - umas vezes mais fortes que outras - e rangem como num filme de terror, mas desta vez multiplicadas por mil. Mais de mil. Como as gotas de chuva que começavam a cair à minha volta. A névoa esvai-se em água com odor a avelã. Escorre-me pelo cabelo, rosto e roupa. Encharcado. Não quis saber. Permaneci estático debaixo daquela nuvem.
Observava o teu sorriso; a tua magia e o teu encanto. Hmm... A tua... beleza e o teu carisma. Era assim que me tinhas cativado. Não creio que fosse preciso a cidade estar fantasmal para sobressaíres, mas assim ficaste mais exposta. Talvez por isso te tenha descoberto. E agora... Tu? Não podes ser tu. Não existes assim. Não te vi antes. Passava ali imensas vezes. Estranhei a tua presença como agora estranho as tuas ausências.
Continua a chover. Mesmo depois da nuvem desaparecer.

(continua)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Abecedário

(Disseram-me uma vez que os números eram uma coisa muito séria. Decidi brincar com as letras.)

João (nome próprio comum)

Ambicioso. Apaixonado. Bonito. Culto. Diferente. Especial. Fofo. Feliz. Guloso. Humm... Honrado. Herói. Inteligente. Jooo... Jovial. Leal. Manhoso. (Alguém há-de entender. Alguém que não eu) Nobre. (da parte da mãe) Optimista. (da minha parte) Ponderado. Perfeito. (yeah right) Querido. Responsável. (da parte do pai) Sábio. Sensato. Simpático. Sentimental. Sadio. Tímido. Teimoso. Talentoso. (acho eu) Único. Vaidoso. Valioso. Vulnerável. Xenófilo. (de alguns) Zeloso.


(particularidades?)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Exercício Progressivo

Palavras de amanhã. Sopradas por agora. Dentadas na maçã. Que nos levam daqui p'ra fora. No silêncio do luar. Na escuridão do desejo. Na cumplicidade de um olhar. Nasceu o primeiro beijo. Onde ficou o receio? O medo de amar em demasia. Sem a ansiedade que anseio. Eu queria mas não agia. A vontade ficava. Esperando a oportunidade. E o sono que me embalava. Já pesava na idade.
Memórias esquecidas. Dos sonhos que não permanecem. Lavavam-me as feridas. Das realidades que acontecem. Longas vistas do horizonte. Estranhos ruídos a ecoar. Construída aquela ponte. Por ela vou passar. Termina no fim da rua. O caminho da vida. Se a liberdade vai nua. Eu dou-lhe guarida. Queria querer o que quero. Esperava não esperar esta espera. Sentir a sensação do sentimento sincero. Olhar como quem olha e se apodera. As cores do mundo. Vejo-as todas misturadas. Não passam no fundo. De realidades disfarçadas. Agora que a noite cai. Tudo começa a findar. O eterno amanhã não vai. Sequer poder despertar.

domingo, 7 de novembro de 2010

Um Jardim


Num jardim primaveril
Onde se juntavam amores
Foi com as chuvas de Abril
Que nasceram as flores!

Primeiro as Margaridas
Valiosas como diamantes
Guardavam segredos de vidas
Ali passadas tempos antes.

As Orquídeas vaidosas
Invadidas pelos ciúmes
Aproximavam-se das Rosas
Para lhes roubarem os perfumes!

Pelo meio outras flores já belas
Antúrios, Dálias e outras que tais
Pintavam-se de aguarelas
Para não se sentirem banais.

O Cravo da revolução
Nascido no fim do mês
É esperado com emoção
Que venha nascer outra vez!

Amor-perfeito foi talvez,
O último a nascer,
Mas sabe por sua vez
Que para sempre irá viver!

JD

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Até amanhã

É contigo! É contigo que o meu sorriso permanece eterno. Os teus actos, os beijos e os abraços perpetuados em Nós. Os olhares que se trocam mutuamente e por vezes vejo o que tu vês e tu vês o que eu vejo. E assim quero ficar. Junto a ti. Presente e futuro.
A teu lado, quando as noites brilham mais, a teu lado, quando o sol se envergonha porque juntos temos mais protagonismo do que ele que ilumina e aquece o mundo.
Todas as emoções e sensações que em mim provocas e me fazem sentir-nos a melhor pessoa do mundo. Não eu, não tu, mas Nós.
É contigo! Dia a dia! Lado a lado! Nós! Vivendo juntos até amanhã, e amanhã, e amanhã. Só até amanhã para que possamos aproveitar cada minuto de hoje, e de hoje e de hoje. Um hoje que nunca se repete porque a teu lado tudo é diferente.
Consegues ser diferente até de ti porque me surpreendes constantemente. Fico com desejo que cheguem muitos amanhãs, mas mais desejo ainda que o amanhã nunca chegue ao fim. O nosso amanhã. Não o sinto como meu nem como teu. Tudo é nosso. Tudo pode ser nosso porque juntos tudo conseguimos.
Dia após dia, noite após noite.
E a Nós eu digo que nos amo sem qualquer dúvida. Amo-nos sem qualquer perturbação, sem qualquer limite. Prometo ouvir-nos a uma só voz, calar-nos num só silêncio. Amar-nos nos dois corações.
E assim me despeço sem mágoa e sem saudade, porque é uma mera despedida sem o seu habitual significado. Não tarda estamos juntos de novo e continuamos a ser Nós. Mas com todo o significado eu nos digo: Até amanhã!..

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Leve Estranheza do Ser

(excerto)

...


- Onde vai a vida quando a vemos passar?
- Para o mesmo sítio dos sonhos quando os deixamos morrer.
- E que local é esse?
- O cemitério da memória. É lá que enterramos tudo o que vivemos.
- E o que deixámos de viver?
- Também. Mas isso depositamos em urnas, como que se fosse cremado.
- E é comum as pessoas dirigirem-se a esse cemitério para homenagear e enfeitar as campas e urnas das memórias?
- Não. Fazemos isso com as das pessoas porque nos lembramos delas. As memórias estão enterradas de todo, não nos podemos lembrar.
- Nunca conheci a minha mãe, por isso não me posso lembrar dela, mas visito sempre a sua campa. Sempre a senti. Não podemos sentir as memórias?
- As que vivemos ou as que deixámos de viver?
- Todas. Eu sinto todas!

...

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Mundo

São pedaços de mim que são deixados em todos os locais por onde passo. Vestígios do tempo que passa. Singularidades de que me orgulho. Sobrevivo a todas as intempéries. Revivo-me em cada local constantemente. Solto-me nas brisas que me tocam e deixo-me voar, em corpo, mas sobretudo em espírito. Não é mais do que imaginação, mas não é menos do que um mundo. Um mundo que vou construindo aqui e ali. Por onde habito, onde visito, onde penso. E assim vou construindo o meu mundo, tomando decisões, opções, escolhas, nem sempre as mais correctas, mas sempre as mais acertadas. Em momentos em que a dúvida persiste eu deixo falar os meus sensores e ajo de acordo com eles. Tenho-me dado bem vivendo o que sinto. Talvez por isso me tentem imitar criando cada um o seu mundo, mas não é fácil não tendo em conta que mesmo num mundo só nosso tem de se permitir contacto com os restantes. Só assim é feita vida.

No meu mundo, eu dito as regras, eu escolho os cenários, o tempo, e algumas acções. Escolho até que personalidade quero assumir. Mas quem vai fazer de sol, de lua e decidir de que outros mundos me quero rodear já não sou eu. Vou ouvir os sentimentos!



domingo, 10 de janeiro de 2010

Cidade


Palmilho as ruas da cidade dias e noites. Olho e vejo. Observo. Retenho. Toda a diversidade de cores e de sensações. Todo o mar alto de emoções. A sombra negra dos pombos contrasta esvoaçando na verde relva dos jardins. As pessoas, feitas de uma imensidão de cores e de sentimentos dão vida a paisagens mortas. Janelas com vidros partidos que teimam em permanecer em cacos. Casas antigas desabitadas, casas novas por habitar. A cada canto um prédio antigo repleto de histórias, de sensações e de vidas deixa-se morrer desavergonhadamente à vista de todos. A cada esquina um mendigo, repleto de fome, de frio e de morte deixa-se morrer timidamente à vista de todos. Nada pode ser mais paradoxal. Nada pode ser mais hipócrita.

Acelero os meus passos sem querer, sou levado a fazê-lo pela aceleração que os outros imprimem nas suas vidas, e eu, como os observo deixo-me levar. Nada que eu quisesse fazer, mas inconscientemente acontece. É estranho como a atitude dos outros nos vem influenciar por muito pouco influenciáveis que sejamos. Ou talvez não seja assim tão estranho. Em todo o caso vivemos em sociedade, devemos ter de agir como tal.

Numa outra rua, numa outra hora do dia, já andando em passos mais calmos vejo o sol baixar e reflectir em todas as janelas e em todas as pessoas. Sinto o seu calor aquecer-me como o sentem todos os mendigos, só que eles dão-lhe mais importância. Cada pedaço desta cidade tem o seu pedaço de sol correspondente. Assim como cada prédio tem direito às suas pessoas e como cada pessoa tem direito ao seu prédio. Devia ser esta a lei natural das coisas. Mas falando em lei natural, o dia começa a findar. A escuridão cai sobre toda a cidade, mas para a minimizar acendem-se luzes. Luzes de prédios, luzes de candeeiros de rua, luzes de carros. Pairando sobre mim sinto uma luz forte que penso ser da lua, mas surpreendo-me quando olho para cima e apercebo-me que é apenas um candeeiro de rua com uma luz mais forte que os restantes. E pior que isso, apercebo-me que estive o dia todo sentado num banco de jardim e que não passeei pela cidade, a cidade é que veio passear por mim.



sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Música

Trauteava e assobiava a música que me tinha ficado na cabeça naquele dia. Logo de manhã, ainda meio amorfo e apático ouvira-a num qualquer programa de rádio que eu próprio programara que me acordasse a noite anterior. E ficou gravada em mim. A tomar banho lá estava eu a cantá-la. Enquanto preparava o pequeno-almoço dei por mim a assobiá-la, e durou enquanto me dirigia para a escola. Já na sala de aula eu consegui abster-me por instantes, mas eis que de repente lá volta ela, sendo que desta vez apenas a ouço ecoar na minha cabeça.
Refira-se que ao longo do dia vou ouvindo muitas outras músicas, mas só aquela permanece. Não sabia se era pura coincidência, mas o que é certo é que já passara uma semana e a mesma música persistia em «assombrar-me» dia e noite. Quererá dizer alguma coisa? – pensei eu. De facto, depois de me decidir e debruçar-me sobre a letra descobri que fazia todo o sentido naquele momento da minha vida. Adequava-se a mim e passei a acreditar que não surgira por acaso e que vinham sempre por algum motivo. Nem que fosse fazer-me ter noção de algo que não tinha tido até aqui. Bem vistas as coisas foi precisa uma semana para me aperceber de certas coisas que a tal música me fez descortinar. Mas com tudo isto só tenho a lamentar o número de vezes que já perdi oportunidade de aprender, de me identificar ou simplesmente de me aperceber de algo, porque há músicas que só duraram um dia em mim e eu não me dei ao trabalho de as estudar.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Sombra



Mergulho na noite sombria. Onde os gatos são pardos. Onde me camuflo por entre a urbe. Sonhos nascem. Vidas terminam. Becos ganham saída. Balas soltas alojam-se na carne putrefacta. A fome alastra-se a cada passo. Os carros rolam por toda a cidade deixando a poluição esfumar-se para toda a população. Os corpos absorvem tudo em seu redor e vão jazendo e o meu não é excepção a não ser por eu ter noção disso. As esperanças morrem e a saúde enfraquece.
Nesta vida de bifurcações, nesta caminhada íngreme de tristezas e de alegrias. Neste voar rente ao chão. Neste mergulho fugaz. Para lá do perto vejo o longe. Depois das coisas vejo como foram criadas. Depois da aparência vejo a essência. Não é por saber demasiado que tudo ganha sentido. Não é por viver intensamente que aprendo mais depressa. Mas sei reter na alma aquilo que muitos só trazem na sombra.