sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Música

Trauteava e assobiava a música que me tinha ficado na cabeça naquele dia. Logo de manhã, ainda meio amorfo e apático ouvira-a num qualquer programa de rádio que eu próprio programara que me acordasse a noite anterior. E ficou gravada em mim. A tomar banho lá estava eu a cantá-la. Enquanto preparava o pequeno-almoço dei por mim a assobiá-la, e durou enquanto me dirigia para a escola. Já na sala de aula eu consegui abster-me por instantes, mas eis que de repente lá volta ela, sendo que desta vez apenas a ouço ecoar na minha cabeça.
Refira-se que ao longo do dia vou ouvindo muitas outras músicas, mas só aquela permanece. Não sabia se era pura coincidência, mas o que é certo é que já passara uma semana e a mesma música persistia em «assombrar-me» dia e noite. Quererá dizer alguma coisa? – pensei eu. De facto, depois de me decidir e debruçar-me sobre a letra descobri que fazia todo o sentido naquele momento da minha vida. Adequava-se a mim e passei a acreditar que não surgira por acaso e que vinham sempre por algum motivo. Nem que fosse fazer-me ter noção de algo que não tinha tido até aqui. Bem vistas as coisas foi precisa uma semana para me aperceber de certas coisas que a tal música me fez descortinar. Mas com tudo isto só tenho a lamentar o número de vezes que já perdi oportunidade de aprender, de me identificar ou simplesmente de me aperceber de algo, porque há músicas que só duraram um dia em mim e eu não me dei ao trabalho de as estudar.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Sombra



Mergulho na noite sombria. Onde os gatos são pardos. Onde me camuflo por entre a urbe. Sonhos nascem. Vidas terminam. Becos ganham saída. Balas soltas alojam-se na carne putrefacta. A fome alastra-se a cada passo. Os carros rolam por toda a cidade deixando a poluição esfumar-se para toda a população. Os corpos absorvem tudo em seu redor e vão jazendo e o meu não é excepção a não ser por eu ter noção disso. As esperanças morrem e a saúde enfraquece.
Nesta vida de bifurcações, nesta caminhada íngreme de tristezas e de alegrias. Neste voar rente ao chão. Neste mergulho fugaz. Para lá do perto vejo o longe. Depois das coisas vejo como foram criadas. Depois da aparência vejo a essência. Não é por saber demasiado que tudo ganha sentido. Não é por viver intensamente que aprendo mais depressa. Mas sei reter na alma aquilo que muitos só trazem na sombra.