quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Água de Colónia (Continuação)

Os seus irmãos, mais novos, viam nela uma segunda mãe. Ou mesmo a primeira, visto que essa, Dona Madalena, trabalhava noite e dia para poder sustentar a casa. Teve pouco tempo para ser mãe, mas no pouco que teve foi a melhor mãe que podia ser. Sabia que podia confiar em Cristina para a substituir. E as vizinhas também davam uma ajuda. Dona Mariana, tia de Cristina e irmã de Madalena nunca tivera descendentes e via nos seus sobrinhos o seu maior tesouro. Era doméstica e tinha uma vida mais desafogada que a irmã Madalena e podia dispensar-lhes o tempo que esta não podia. Também eu fora adoptado por Dona Mariana. Apertava-me as bochechas cada vez que me via lá na rua. Passava a vida a querer oferecer-me gelados, gomas ou rebuçados como se eu ainda fosse um miúdo, um daqueles lá da rua que agora escasseavam. A população do bairro estava envelhecida. Os jovens adultos procuravam casas e bairros mais modernos. Dona Mariana não entendia porque isso acontecia. "Quando miúdos tiveram tudo de nós. Carinho, respeito, admiração e comida e agora abandonam-nos como lixo!" - dizia-me indignada. Tive de concordar, mas guardei-o para mim. "Eles não se esqueceram de si. Foram apenas procurar vidas melhores." - disse-lhe eu tentando mantê-la calma, mesmo sabendo que tinha toda a razão. Dona Mariana não se podia enervar. A sua saúde era instável e qualquer outra instabilidade no seu estado poderia ser crítico. Morava no Nº 49, dois prédios acima de Cristina e os seus sobrinhos iam vê-la todos os dias e já sabiam que se quando chegassem ela não estivesse em casa podiam comer e beber no café do rés-do-chão. O Sr. António, dono do café servia-os e punha na conta da Dona Mariana. A início não gostava muito de o fazer, mas essas ordens foram-lhe dadas por ela. Vezes havia em que nem cobrava comida aos miúdos. Sabia das dificuldades, ainda que apenas ligeiras, pelas quais passavam.
António tinha um pequeno café ao jeito de tasca onde todos se juntavam. Os daquela rua e das circundantes. Era o café mais próximo e simpático das redondezas. Cristina ia lá cantar em noites de fado, por vezes. Não tinha uma voz muito bonita, mas era "a mais sentida e genuína de todas as vozes" - diziam os seus fãs. Era engraçado vê-la cantar. Aquela que parecia sempre solta e desenvergonhada revelava toda a sua timidez. Isso não parecia afectar a sua actuação, ou talvez afectasse, mas de forma positiva. Talvez fosse aquela toda a sua genuinidade, a timidez.

(continua)

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